Condenados ao amor

O mais longo estudo alguma vez feito sobre a felicidade, garante que o segredo está nas relações com os outros. É ai que devemos investir o nosso tempo e energia. Uma boa notícia para o dia dos Namorados, mas não só.


Uma vez fui a uma escola perguntar a crianças de oito anos se as pessoas que surgiam na televisão apareciam porque já eram famosas ou se, pelo contrário, primeiro iam à televisão e depois ficavam famosas. As crianças responderam-me, sem sombra de hesitação, que aparecer no ecrã era o primeiro passo, vindo depois a notoriedade por arrasto. E todos a queriam. Estávamos, como agora, no início da Quaresma e decidi provocá-las: então como é que explicavam que, por exemplo, Jesus Cristo ainda fosse famoso, quando há dois mil anos não havia televisão? Pensaram, pensaram, e um deles respondeu: "Porque pôs um crucifixo em cada igreja." Certo, o poder do marketing é milenar.

Ontem lembrei-me desta reportagem, feita há mais de dez anos, ao ver um TedTalk sobre aquilo que nos faz saudáveis e felizes, em que o psiquiatra Robert Waldinger fala sobre as conclusões do mais longo estudo alguma vez realizado sobre este tema, tão longo que ele já é o quarto coordenador. Os investigadores de Harvard iniciaram-no em 1938, seguindo ininterruptamente a vida de 724 homens, dos quais 16 ainda estão vivos, através de conversas com os próprios e familiares, mas também análises ao sangue, relatórios médicos e, mais recentemente, ressonâncias magnéticas ao cérebro. 

Antes de desvendar resultados, Waldinger pergunta à assistência onde investem o seu tempo e energia. Espicaça-os, recordando um inquérito recente em que 80% dos "millennials" (nascidos nos anos 80/90) consideraram que enriquecer é um dos seus grandes objetivos de vida, com 50% a indicar que é a fama. Resposta errada, anuncia, e justifica: "O que aprendemos com o estudo de Harvard, dos milhares de páginas de informação que geraram sobre aquelas vidas, foi que a felicidade e a saúde não têm nada que ver com a riqueza, nem com a fama, nem com as horas passadas no trabalho. A mensagem mais clara que obtivemos foi que são as nossas relações com os outros que nos mantêm mais felizes e mais saudáveis. Ponto final."

No Dia dos Namorados é boa notícia, mas não são só as relações de amor que nos fazem bem, as ligações sociais com a família, com amigos, com a comunidade também servem, desde que incluam intimidade e confiança. Já a solidão é absolutamente tóxica, para a alma e para o corpo. Traduzindo os dados, percebe-se que as pessoas mais isoladas dos outros não só são mais infelizes, como a sua saúde piora mais depressa, o funcionamento cerebral diminui mais cedo e vivem menos tempo. 

De tal forma isto é tiro e queda que o psiquiatra diz, a rir: "Quando reunimos tudo o que conhecíamos sobre estes homens aos 50 anos, não foram os níveis de colesterol que serviam de indicador de como iriam envelhecer, mas o grau de satisfação que sentiam nas suas relações. As pessoas mais satisfeitas com as suas relações, aos 50 anos, foram as mais felizes aos 80 anos."

Mas se, no fundo, estamos fartos de saber tudo isto, porque é que fingimos que não sabemos, pergunta. Felizmente dá-nos a resposta: "Porque dá muito trabalho." Preferíamos uma receita rápida e duradoura, mais sexy e glamorosa do que alimentar relações humanas, necessariamente conturbadas e complicadas, exigindo uma atenção constante, ainda por cima para sempre. Mas, ao que parece, não há mesmo atalhos.

Nota: oiça na íntegra, porque vale a pena.


Jornalista
13 de fevereiro de 2018 às 20:30


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