Pais amigos ou uns amigos que são os pais

O papel de “pai/mãe” está para além do papel de amigo e seria desejável que não tivéssemos grandes dúvidas sobre isto...

É recorrente em conversas com pais ouvir afirmar que se sentem os melhores amigos dos filhos e, mais do que isso, afirmam a sua convicção de que os filhos assim os consideram. Esta ideia surge sobretudo a partir da entrada na pré-adolescência e na adolescência e prevalece em muitos discursos.
A forma de assim perceber a parentalidade começa cedo e é facilmente geradora de equívocos que podem criar algumas dificuldades.
É verdade que se entendermos por amigo alguém com quem trocamos afecto e temos uma relação próxima os pais serão amigos dos filhos. No entanto, o papel de “pai/mãe” está para além do papel de amigo e seria desejável que não tivéssemos grandes dúvidas sobre isto não apenas no que afirmamos mas, sobretudo, na forma como em cada dia nos relacionamos com os nossos filhos.
O exercício da parentalidade pressupõe e exige uma função reguladora do comportamento e da socialização, a construção de um espaço familiar de afecto, vinculação e aconchego, a promoção da autonomia, enfim, uma relação que em muitos aspectos não é da mesma natureza ou mesmo compatível com o papel de amigo.
A relação entre pais e filhos deve, naturalmente, ter como base o afecto mas, por vezes, o afecto é “mal administrado” e transforma-se em excesso de permissividade, ou seja, pais que estabelecem uma relação muito próxima com os filhos mas que são ou se sentem incapazes de definir limites, regras ou rotinas, imprescindíveis para o desenvolvimento de crianças saudáveis. Nestas circunstâncias é habitual ouvir que os comportamentos (inadequados) observados nas crianças são consequência de “mimos a mais”. Como já aqui escrevi não existem mimos (afecto) a mais, existe mau mimo (afecto). Trata-se de uma relação que não promove segurança nas crianças ou nos adolescentes, que não contribui para promover a sua autonomia e auto-regulação. As crianças e adolescentes podem transformar-se em “pequenos ditadores” que entendem fazer o que querem quando querem sem limites ou regulação.
A relação entre pais e filhos, contrariamente ao modelo habitual de relação entre amigos, não é simétrica. Aos pais é solicitada, como já referi, a definição de regras, de limites, de rotinas que podem ser construídas de forma envolvente e participada com os filhos, aliás, tendo em conta as características das diferentes idades, é desejável que o sejam. Este quadro de regras, rotinas e limites deve ser estável mas não inflexível, coerente, claro e consistente.
Este processo faz parte do exercício de uma “parentalidade “amiga” dos filhos porque é positiva para eles mas não transforma os pais em amigos dos filhos.
A assimetria enquadra a autoridade dos pais, outra diferença na relação habitual entre amigos em que a autoridade é uma dimensão menos presente. No entanto, esta autoridade não deve ser confundida com autoritarismo que é fonte de insegurança, é bastante menos eficaz na promoção da autonomia e auto-regulação de crianças e adolescentes e que tende a esgotar o seu eventual efeito com o crescimento. Na verdade, muitas crianças e adolescentes educados em contextos familiares fortemente marcados por autoritarismo, traduzido por exemplo, em castigos pesados, físicos ou de outra índole, acabam por desenvolver comportamentos reactivos ou de rebeldia por perda do receio das consequências.
No entanto, é bom que não nos iludamos, é muito bonito, é trabalhoso e nem sempre é fácil ser pai, não vale a pena acumular e ser o que alguma ingenuidade e voluntarismo muitos pais afirmam, são pais e amigos, mesmo os melhores amigos dos filhos.
Sim, podem e devem ser pais amigos mas não podem nem devem ser “apenas” amigos.

Por José Morgado

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