ENTRE O PORTÃO E A PORTA

O lugar do nosso valor e da nossa coragem, estando longe das muralhas que nos protegem do exterior, está ainda dentro de uma fortaleza interior bem guardada, até de nós mesmos.

Desde o portão de entrada na nossa interioridade até à entrada no nosso íntimo há uma distância. Como se o ser mais profundo de cada um de nós estivesse escondido dentro de um bosque ou só fosse acessível através de um labirinto.
Podemos ouvir ou ver algo e não querer que o que ouvimos, ou vimos, toque o nosso coração.
Esta voz secreta que só se pode escutar no total recolhimento não está sempre acessível.
O lugar do nosso valor e da nossa coragem, estando longe das muralhas que nos protegem do exterior, está ainda dentro de uma fortaleza interior bem guardada, até de nós mesmos.
Poucos são os que reconhecem que são ameaças a si próprios. Há muitos homens que se julgam senhores de si e acabam por se tornarem salteadores e destruidores dos seus próprios tesouros, porque não sabem resguardar a sua intimidade e confundem o próximo com o íntimo, o simples sorriso com a afeição pura, a palavra com a verdade.
Aceitar, sem prudência, tudo de todos é algo tão imbecil como dar tudo a todos, sem sensatez.
Importa guardar as distâncias que nos protegem dos ataques do exterior, distinguir o que se pode dizer daquilo que deve ser guardado para ser dito depois e, ainda mais importante, manter a integridade do que temos de mais autêntico: o nosso amor.
Quem não reconhece as suas alturas e profundidades, a sua integridade a todos os níveis, não pode esperar que a sua verticalidade se mantenha por muito tempo. A prudência e o cuidado para connosco mesmos são essenciais.
Há quem exija dos outros um respeito de que não é capaz sequer face a si mesmo. Descuidarmos a cortesia para os que nos são mais próximos é um desastre, perante nós mesmos é ainda mais trágico. Acarreta uma confusão que nos faz perder o que temos de mais valioso: a nossa alma.
Há um caminho que vai do portão de nós mesmos até à porta do nosso íntimo. Importa cuidá-lo, mantê-lo limpo, iluminado e sem as ameaças próprias do que está abandonado.
Este é o caminho por onde passam os que convidamos para viver connosco, no mais íntimo do que somos. Onde um fogo nos aquece sem queimar, nos ilumina sem cegar, nos marca o caminho sem confusão, nos aceita como seus e nos faz amar.
Não podemos amar sem nos prepararmos para aceitar e acolher o outro em nós. Entregando-lhe o melhor do que somos. Aquilo que fomos capazes de preservar para ele. 

Opinião de José Luís Nunes Martins

RENASCENÇA

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