Matrimónio e Educação




Reflectir em poucas linhas sobre duas das realidades mais complexas e mais importantes para a pessoa humana, para além de poder ser uma tarefa quase impossível de realizar, pode ainda levar-nos a correr o risco de dizer coisas perfeitamente banais e simplistas.
E contudo, torna-se um desafio interessante, pois aquilo que formos capazes de pensar e dizer a este nível terá obrigatoriamente muito a ver com a maneira como encaramos a vida.
É verdade que, com frequência, ouvimos dizer que o matrimónio e a educação estão a passar por uma profunda crise. Os dados estatísticos no que diz respeito ao divórcio e a realidade que todos vamos ouvindo, aqui e acolá, acerca das dificuldades da vida em casal parecem comprovar, sem margem para dúvidas, esta crise. Também no que diz respeito à educação o panorama não parece ser melhor, sendo frequente encontrar posições de desencanto e mesmo desânimo em muitos dos seus protagonistas.


Apesar desta realidade eu não quero ser pessimista, nem tenho como objectivo fazer aqui a análise dessa situação. O espaço que aqui disponho não me permite fazer isso, e, por outro lado, prefiro fazer uma afirmação inequívoca da importância do matrimónio e da educação para a construção da pessoa (de cada pessoa) e, por conseguinte, para a humanização deste mundo. A relação entre estas duas realidades (matrimónio e educação) penso que ficará clara a partir desta perspectiva.
Na verdade, ao olhar para a condição humana, somos capazes de perceber como cada um de nós é um ser ‘acolhido’. Basta para isso fazermos a simples constatação que nenhum de nós se deu a vida a si mesmo. Todos a recebemos como um dom ‘dado’ por alguém. Quando tomamos consciência da nossa própria existência, já estamos nela. E se isto é evidente do ponto de vista meramente biológico, igualmente evidente me parece em todos os outros níveis específicos da condição humana.
Se não vejamos: Como é que aprendemos a falar? Como alcançamos capacidade de entender o mundo e a existência? Como é que aprendemos a amar? Como somos capazes de desenvolver a nossa capacidade de reflectir? Como é que aprendemos a simbolizar? Como somos capazes de dizer, intuir e experimentar o transcendente? Bastam estas perguntas para percebermos que sem os outros jamais chegaríamos a desenvolver estas características tão específicas da nossa condição.
Mas podemos ainda ir mais longe, e afirmar que a própria identidade pessoal, que é aquilo que nos individualiza e nos torna únicos e irrepetíveis, não é uma mera conquista, mas é também uma experiência de ser recebido e acolhido. Como é que eu descubro quem sou? Como é que eu descubro o meu nome? Não é porque os outros me tratam como um ‘eu’ e me chamam assim, que eu tenho a possibilidade de ir crescendo e ganhando a consciência de ser esse eu? Claro que não devo isso só aos outros, claro que a minha capacidade de interacção e de entrega é fundamental, mas a verdade é que sem os outros eu não chegava a ser o que sou.
Até mesmo a minha condição de ser pai me diz isso. Só acedi a essa experiência por causa dos meus filhos. Ser pai do André e do Filipe é algo que é constitutivo da minha identidade pessoal, ou seja preciso deles para construir a minha identidade pessoal, por isso, eles são parte constitutiva dela.
A partir destas pequenas ideias, que como é obvio precisavam de mais espaço para serem desenvolvidas, posso agora afirmar, sem correr um grande risco de ser mal entendido, que o ser humano só se vai humanizando à medida que vai vivendo a relação com os outros.
Claro que quando nascemos já possuímos as características genéticas e biológicas específicas da condição humana, mas todos estamos de acordo que ser homem e mulher é muitíssimo mais do que simples biologia ou genética. As linguagens que utilizamos, a cultura que construímos e da qual também fazemos parte, a experiência religiosa que vivemos, o amor que damos e recebemos, os projectos que vamos sendo capazes de realizar, quer ao nível individual como social, tudo isso, que é também característico da nossa realidade (e para mim o mais característico), exige a existência dos outros.
E afinal o que é que isto tudo tem a ver com o matrimónio e a educação? Do meu ponto de vista e a partir da minha experiência, atrevo-me a afirmar que tudo.
É que ser pessoa humana é algo que requer obrigatoriamente a presença e o amor dos outros. É que a educação tem por objectivo principal a formação integral da pessoa humana. É que o matrimónio é aquele tempo e espaço, aquela relação, onde duas pessoas se vão construindo uma à outra, sendo capazes de dar origem a algo de novo, o nós (que não elimina a identidade pessoal de cada um, mas pelo contrário a alimenta) que muitas vezes se concretiza num alguém totalmente novo e irrepetível (os filhos).
Somos pessoas porque alguém antes de nós teve a capacidade de viver uma relação de personalização e amadurecimento capaz de gerar vida nova (não ignoro que muitas vidas são, infelizmente, geradas fora deste âmbito, mas insisto na ideia de que o característico da vida humana é muito mais do que simples biologia). Somos pessoa porque fomos acolhidos numa experiência de amor que foi capaz de nos lançar nesse patamar da condição humana e cada dia é capaz de nos ir ajudando a crescer como pessoas (independentemente da idade que tenhamos, pois isto é um processo para toda a vida). Somos pessoa porque fomos sendo educados como tal, e porque continuamos a sê-lo.
Não apoiar inequivocamente o matrimónio, não apostar claramente numa educação pessoal e pessoalizadora é correr o grave risco de poder criar sociedades menos humanas.
Todos estamos empenhados em construir um mundo mais humano e mais fraterno. Mas não tenhamos dúvidas que isso só será possível se tivermos pessoas mais humanas e mais fraternas, e isso passa obrigatoriamente pela educação e pela capacidade que tivermos em viver a experiência matrimonial duma maneira verdadeira e profunda.

Juan Francisco Ambrosio
Prof. Teologia

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